3
– Budismo Mahayana
Porque era um caminho de
libertação, os ensinamentos do Buda tinham
como único objetivo a experiência do nirvana. O Buda
não tentou estabelecer um sistema
filosófico consistente, para satisfazer
aquela curiosidade intelectual acerca das coisas supremas, que espera
respostas
sob a forma de palavras.
Quando lhe pediam tais
respostas, quando
interrogado sobre a natureza de nirvana,
a origem do mundo e a realidade do Próprio, o Buda mantinha
um “nobre
silêncio”, e continuava a dizer que tais perguntas
eram irrelevantes e não
conduziam à verdadeira experiência de
libertação.
Muitas vezes se disse que o
ulterior desenvolvimento do budismo se deve à incapacidade
da mente indiana
para se contentar com esse silêncio, pelo que se viu
finalmente obrigada a
satisfazer o seu irresistível desejo de
“especulações metafísicas
abstratas”
sobre a natureza da
realidade. Contudo, um tal aspecto da gênese do budismo
Mahayana é assaz enganador.
O vasto volume da doutrina
Mahayana não surgiu tanto para satisfazer a
curiosidade intelectual como para resolver os problemas
psicológicos práticos
que se encontraram ao seguir o caminho do Buda. Por certo que o
tratamento
destes problemas é... escolástico... muito pomposo.
Pg.80
A
metafísica do
Mahayana mostra bem claramente, na incoerência dos seus
sistemas, o interesse
secundário de que ela se revestia aos olhos dos monges, cujo
principal
interesse se concentrava em alcançar a
libertação... essencialmente pelo seu
fim prático... sua filosofia apenas tem valor na medida em
que ajuda os homens
a atingir o seu objetivo.
Pg.81
O
Mahayana distingue-se do Budismo do Cânone Pali, chamando a
este o Pequeno (hina)
Veículo (yana)
de libertação, e a si próprio o Grande
(maha)
Veículo – grande por englobar uma tal
abundância de upaya,
ou métodos para a realização de nirvana.
Estes métodos vão desde a
sofisticada dialética de Nagarjuna, cujo objetivo
é libertar a mente de
Mas, de um ponto de vista
mais profundo, tornou-se evidente que a ideia do Bodisattava
está implícita na
lógica do Budismo, que ela decorre naturalmente do
princípio
do não-agarrar e
da doutrina da irrealidade
do ego. Porque se nirvana
é o estado
em que a tentativa de agarrar a realidade cessou completamente,
graças á
compreensão da sua impossibilidade, será
obviamente absurdo pensar no próprio nirvana
como algo a ser agarrado ou
atingido. Se, além disso, o ego é mera
convenção, é insensato pensar no
nirvana
como um estado a ser atingido por qualquer ser. Como se diz no
Vajracchedika:
Todos
os heróis-Bodhisattva deviam levar as suas mentes a pensar:
todos os seres
sensíveis de não importa que classe...
são conduzidos por mim a atingir a
libertação sem limites de nirvana.
Porém, quando vastas, inúmeras,
incomensuráveis quantidades de seres tiverem
sido assim libertos, em verdade nenhum ser terá sido
liberto! Porque é isto
assim, Subhuti? Porque nenhum Bodhisattva que seja verdadeiramente um
Bodhisattva, se apega à ideia de um ego, uma personalidade,
um ser, ou um
indivíduo separado dos outros.
Pg.84
(delírio!!)
Como
corolário desta posição temos que, se
não há nirvana
que possa ser atingido, e se, na realidade não há
entidades
individuais, a nossa escravidão ao Círculo
é mera aparência, e que de fato
estamos já em nirvana-
pelo que
procurar nirvana
é a loucura de
pretender encontrar o que nunca se perdeu. Assim, naturalmente, o
Bodhisattva
não faz qualquer movimento para se arrancar ao
Círculo de samsara,
como se nirvana
estivesse em qualquer outro lado, pois faze-lo implicaria que nirvana é
algo que necessita ser atingido e que samsara
é uma verdadeira realidade.
Segundo as palavras do Lankavatara
Sutra:
Aqueles
que, temerosos dos sofrimentos que surgem da
discriminação de
nascimento-e-morte (samsara),
buscam
Nirvana, não sabem que nascimento-e-morte e Nirvana
não estão separados um do
outro; e, vendo que todas as coisas sujeitas à
discriminação não têm
realidade,
imaginam que Nirvana consiste na futura
aniquilação dos sentidos e dos seus
campos. 2
– Em Suzuki: Os “campos” dos sentidos
são as áreas ou aspectos do mundo exterior, com
que se relacionam os órgãos de
cada sentido particular(nota
de rodapé).
Assim,
lutar para obliterar o mundo convencional de coisas e acontecimentos,
é admitir
que ele existe na realidade. Daí o princípio
mahayanista de que “aquilo que
nunca nasceu não precisa ser aniquilado”.
Não
se trata das ociosas especulações e sofismas de
um sistema de idealismo ou niilismo
subjetivo. São respostas a um problema prático,
que se poderá exprimir desta
maneira: “Se o meu agarrar a vida me envolve num
círculo vicioso, como poderei
aprender a não agarrar? Como poderei tentar soltar, quando
tentar é
precisamente não soltar?” Dito por outras
palavras, tentar não agarrar é a
mesma coisa que agarrar, dado que sua motivação
é a mesma – o meu veemente
desejo de me salvar de uma dificuldade. Não posso ver-me
livre deste desejo,
dado que ele é precisamente o mesmo desejo que o desejo de
me ver livre dele!
A
filosofia mahayana propõe uma resposta drástica
mas eficiente que constitui o
tema de um gênero da literatura chamado Prajana-paramita,
ou “sabedoria para passar a outra margem”, uma
literatura estreitamente
relacionada com os trabalhos de Nagarjuna (cerca de 200 D.C.), que fica
ao lado
de Chankara como um dos maiores espíritos da India. A
traços largos, a resposta
é que todo e qualquer agarrar, mesmo em
relação a nirvana,
é fútil – porque nada existe para ser
agarrado. Esta
constitui a célebre Sunyavada de Nagarjuna, a sua
“Doutrina do Vácuo”, também
conhecida
como Madhyamika, o “caminho do meio”, porque refuta
quaisquer
proposições metafísicas, pela
demonstração do seu
relativismo. Segundo o ponto de vista de Nagarjuna são, sem
dúvida, uma certa
forma de niilismo ou “relativismo absoluto”.
Mas não é esse o ponto de
vista de Nagarjuna. A
dialética com que ele lança por terra todo e
qualquer
conceito de realidade é apenas um utensílio para
quebrar o círculo vicioso do
agarrar, e a conclusão da sua filosofia não
é o desespero abjeto do niilismo,
mas a natural, a não planejada, benção
(ananda)
da libertação.
A
Sunyavada toma o seu nome do termo sunya,
vácuo ou sunyata,
vacuidade, com que
nagarjuna descreveu a natureza da realidade, ou antes, das
concepções da
realidade que a mente humana pode formar. O termo
concepções não inclui apenas
aspectos metafísicos, mas também ideais,
crenças religiosas, esperanças
supremas e ambições de toda a espécie
– tudo que a mente do homem procura e
agarra para sua segurança física e espiritual. A
Sunyavada não lança por terra
apenas as crenças que se adotam conscientemente; busca
também os esconderijos
inconscientes do pensamento e da ação, e
submete-os ao mesmo tratamento até
que as mais recônditas profundidades da
mente sejam reduzidas a um silêncio total.
Não
pode ser chamado de vácuo ou não vácuo,
Nem
ambos nem nenhum deles;
Mas
de modo a podermos indica-lo,
É
chamado “o Vácuo”.
Obviamente,
a mente não consegue formar uma ideia daquilo que
“ser” significa sem o
contraste de “não ser”, posto que as
ideias de ser e não-ser são
abstrações de
experiências tão simples como a de ter um
tostão na mão direita e nenhum na
esquerda.
Uma
vez mais, Mahamati, o que é que significa
não-dualidade? Significa que luz e
sombra, comprido e curto, preto e branco, são termos
relativos, Mahamati, e não
independentes um do outro; tal como Nirvana e Samsara, todas as coisas
são não
duais. Não há Nirvana excepto onde há
Samsara; não há Samsara exceto onde há
Nirvana; porque a condição de
existência não é de caráter
mutuamente exclusivo.
Por isso se diz que todas as coisas são
não-duais, tal como o são Nirvana e
Samsara.
Pg.87
O que esta
equação pretende não é
manter uma proposição metafísica, mas
auxiliar o
processo de acordar. Porque o acordar não
acontecerá enquanto tentarmos escapar
ao, ou mudar o cotidiano mundo da forma, ou afastarmo-nos da particular
experiência
em que nos encontramos neste determinado momento. Toda e qualquer
tentativa
desta natureza é uma manifestação do
agarrar. Mesmo o próprio agarrar não deve
ser modificado a força
porque,
Bodhi (acordar)
é as cinco ofensas, e as
cinco ofensas são bodhi...
Se alguém
encara bodhi
como algo a ser
atingido, a ser cultivado pela disciplina, é culpado do
orgulho do Próprio.
Algumas
dessas passagens sugerem talvez que o Bodhisattava pode até
ser um tipo
mundano, bonacheirão, que – de
qualquer
modo, samsara é nirvana – pode ir levando sua
vida como muito bem lhe
agradar. Poderá ele estar
perfeitamente iludido mas, dado que mesmo a ilusão
é bodhi,
não haveria qualquer interesse em modificar isso.
Pg.88
Existe muitas vezes uma
enganadora semelhança entre
extremos opostos. Muitos lunáticos há que parecem
santos, e a desafetada
modéstia do sábio muitas vezes o fazem
assemelhar-se a uma pessoa perfeitamente
vulgar.
Mas não
é coisa fácil encontrar a diferença (entre o
sábio e
o tolo?),
dizer o que é aquilo que o homem comum, mundano, faz ou
deixa de fazer, e que o torna diferente de um Bodhisattava, ou
vice-versa. Todo
o mistério do Zen repousa neste problema e a ele voltaremos
na devida altura.
Por agora, será suficiente dizermos que a chamada
“pessoa comum” é apenas
aparentemente natural. Na prática é simplesmente
impossível decidir,
intencionalmente, deixar de procurar nirvana e levar uma vida comum,
posto que
a vida “comum” logo que é intencional
deixa de ser natural.
É por
esta
razão que a insistência dos textos Mahayana sobre
a intangibilidade de nirvana
e bodhi
não é algo para ser aceito teoricamente, como
mera opinião
filosófica. É necessário sentir
“nos ossos” que nada existe para ser
alcançado
e agarrado.
Pg.89
Chegamos,
pois, ao ponto em que fica claramente entendido que todos os atos
intencionais
– desejos, ideais, estratagemas – são em
vão. Em todo o universo, dentro e
fora, nada existe que se possa agarrar, e ninguém que possa
agarrar seja o que
for...
Com o “olhar de prajna”
(sabedoria
intuitiva) a
situação humana é
encarada na sua realidade – um matar a sede com agua salgada,
um tentar
alcançar objetivos que apenas requerem a busca de outros
objetivos, um
apegar-se a objetos que o rápido decorrer do tempo
torna
tão insubstanciais como o nevoeiro...
Um
momento chega em que esta consciência da
inescapável armadilha em que somos, ao
mesmo tempo, o caçador e a caça,
alcança seu ponto de ruptura. Quase poderíamos
dizer que ela “amadurece”, e acontece
subitamente... uma “reviravolta na mais
profunda sede da consciência”. Nesse momento, toda
sensação de constrangimento
desaparece, e o casulo que o bicho-da-seda teceu ao redor de si
próprio abre-se
para deixá-lo sair, alado, como borboleta...
Artifícios, ideais, ambições e
autoconciliações, deixam de ser
necessários, pois
é agora possível viver espontaneamente sem tentar
ser
espontâneo.
Na realidade, não há sequer outra alternativa,
dado que se
vê agora nunca ter existido qualquer Próprio para
manter o Próprio sob seu
controle.
Pg.90
Reduzido
ao essencial, é assim o processo interior que o Sunyavada
tenta por em
movimento com sua filosofia de total negação.
Assim, a maior parte do trabalho
de Nagarjuna foi uma refutação, cuidadosamente
lógica de todas as posições
filosóficas existentes na Índia do seu tempo.
Aceitando que seu objetivo seja
uma experiência interior, os estudiosos
ocidentais sempre tiveram grande
dificuldade em compreender como poderia um ponto de vista
tão puramente
negativo ter quaisquer consequências criadoras. Deveremos,
pois, repetir que a
negação se aplica não a
própria realidade, mas às nossas ideias de
realidade. O
conteúdo positivo e criador do Sunyavada não
reside na própria filosofia, mas
na nova visão da realidade que é revelada quando
sua tarefa acaba, e Nagarjuna
não vem estragar essa visão, tentando
descreve-la...
Pg.91
Um buda é um
Tathagata, um “que-vai-assim”, porque
acordou para esse mundo primário, não-conceitual,
sem palavras que o descrevam,
e não o confunde com ideias de ser ou não-ser,
bom ou mau, permanente ou
impermanente...
Uma das principais doutrinas
do Mahayana é a de que
todos os seres são dotados com a natureza de Buda, tendo
pois a oportunidade de
se tornarem Budas. Por
causa da
identidade entre natureza de Buda e tathata,
o termo “Buda” é frequentemente
usado para designar a própria realidade e não
apenas o homem acordado. Sucede
por isso que, no Mahayana, um Buda é muitas vezes encarado
como uma
personificação da realidade, formando assim a
base daqueles cultos populares em
que os Budas parecem ser venerados como deuses. E digo
“parecem ser” porque
mesmo o
Budismo Mhayana não tem
equivalente real para o teísmo Judaico-Cristão,
com sua estrita identificação
de Deus como princípio moral.
Dado que
ele entrou subsequentemente no supremo estado de Buda, conclui-se que
seu voto
foi realmente cumprido.
O
próprio Nagarjuna simpatizava com essa doutrina, por
constituir ela uma forma
popular, e mais figurativa, de dizer que, posto que a nossa verdadeira
natureza
é já a natureza de Buda, nada temos a fazer para
para operar a transformação.
Pelo contrário, tentar transformarmo-nos em Buda e negar que
somos já Buda. Shinran,
o grande interprete japonês da
Pura Região, chegou mesmo ao ponto de dizer que era apenas
necessário repetir o
nome, pois via que a tentativa de fazer um ato de fé era
demasiado artificial,
e conduzia o individuo a duvidar da sua própria
fé.
O
Budismo Pura Região é obviamente uma
consequência da doutrina Bodhisattava,
segundo o qual o trabalho que convém ao homem libertado
é a libertação de todos
os outros seres através de upaya
ou
“meios hábeis”. Através de prajana,
ou sabedoria intuitiva, ele
A
percepção de cada forma singular, tal como
é, é o vácuo, e de que,
além disso,
a singularidade de cada forma nasce do fato de ela existir, em
relação a toda e
qualquer outra forma, está na base do Dharmadhatu
(“região de Dharmas”), a
doutrina do enorme Avatamsaka
Sutra. Esta volumosa obra é
provavelmente o ponto
culminante e final do Mahayana indiano, e uma das suas imagens
principais é uma
vasta rede de cristais ou pedras preciosas, como uma teia de aranha ao
amanhecer, em que cada cristal reflete todos os outros. Esta
rede de
cristais é o Dharmadhatu, o universo, a região de
inúmeros dharmas
ou
“coisas-acontecimentos”.
(coisas-acontecimentos
ou objetos na
analise de sistemas voltada aos objetos)
Comentadores
chineses elaboraram uma classificação
quadripartida do Dharmadhatu, que se
tornou de considerável importância para o Zen, nos
fins da dinastia T’ang. A
sua
Pg.94
1)
Shih,
as “coisas
acontecimentos”
singulares, individuais, de que o universo se compõe;
3)
Li shih wu ai, “nenhuma
obstrução entre coisa e coisa”, o que
significa não haver
incompatibilidade nirvana e
samsara,
vácuo e forma. O alcançar de um não
implica a aniquilação
do outro;
4) Shih shih wu ai, “nenhuma
obstrução entre coisa e coisa”, o que
significa que cada
“coisa-acontecimento” implica todas as outras, e
que a mais perfeita visão
interior é
simplesmente a percepção destas no seu
natural “tal-qual(ismo)”. A este nível,
cada “coisa
acontecimento”
é encarada como auto
determinante, auto produtora ou expontânea, pois
ser muito
naturalmente o que é,
ser tatha
– precisamente “assim” – é
ser livre e sem obstrução.
Nagarjuna não
discutiu o modo como o
vácuo aparece como forma, o Dharmakaya como
Niamanakaya,
sentindo que isto seria
completamente ininteligível para aqueles que não
tivessem verdadeiramente
realizado o acordar. O próprio Buda tinha comparado as
perguntas a esse
respeito à loucura de um homem atingido por uma flecha, que
não permitisse que
lha arrancassem da carne até lhe haverem descrito todos os
pormenores do aspecto
do seu agressor, da sua família e dos seus motivos...
De acordo com o Iogacara o
mundo da
forma é cittamatra
– “apenas mente” –
ou vijnaptimatra
– “apenas
representação”. Esta opinião
parece ter
uma semelhança muito próxima com as filosofias
ocidentais de idealismo
subjetivo, em que o mundo exterior e material é encarado
como uma projeção da
mente. Contudo, parecem existir
algumas diferenças entre os dois pontos de
vista. Aqui, como sempre, Mahayana não é tanto
uma construção teórica e
especulativa como o relato de uma experiência interior e um
meio de despertar,
em outros, essa mesma experiência. Além disso, a
palavra citta
não é pre.......
precisamente
equivalente ao nosso “mente”. O pensamento
ocidental tende a definir a mente
por oposição à matéria, e a
considerar matéria não tanto como
“medida” como a
coisa sólida que é medida. Medida em si,
abstração é, para o ocidental, mais da
natureza de mente, dado que tendemos a encarar a mente e o
espírito mais como
abstrato do que com concreto.
Mas, na filosofia Budista, citta
não comporta qualquer antagonismo
contra uma concepção de matéria
sólida. O mundo nunca foi considerado em termos
de uma substância primária, moldada em
várias formas pela ação da mente ou
espírito. Tal imagem não existe na
história do pensamento Budista, e portanto
nunca surgiu o problema de saber como pode a mente
impalpável influenciar a
matéria sólida. Onde quer que se deva
falar de mundo material, ou físico, ou substancial, o
Budismo emprega o termo rupa
o qual corresponde mais ao nosso
“forma”, que ao nosso
“matéria”. Não
existe qualquer “substância material”
subjacente a rupa,
salvo o próprio citta!.
A
dificuldade em equacionar e
comparar idéias orientais e ocidentais reside em que os dois
mundos não partem
dos mesmos pressupostos e premissas. Não têm as
mesmas categorizações básicas
da experiência. Portanto, onde o mundo nunca foi dividido em
mente (espírito) e
matéria, mas antes em mente e forma, a palavra
“mente” não pode significar
exatamente
a mesma coisa em ambos os
casos.
A palavra “homem”, por exemplo, não tem
precisamente o mesmo sentido quando
contrastada como “mulher”, como quando contrastada
com “animal”.
... os
idealista
ocidentais começaram a filosofar a
partir de um mundo constituído por mente (ou
espírito), forma e matéria, ao
passo que os budistas começaram a filosofar a partir de um
mundo de mente e
forma.
O Ioagacara não
discute pois a
relação entre formas de matéria e
mente; discute a relação entre formas e
mente, concluindo que são
formas de mente
(itálico original,
grifo nosso). Como resultado, o termo “mente” (citta)
perde logicamente qualquer sentido.
Pg.97
A partir do ponto de vista
lógico, a
proposição “Tudo é
mente” nada mais diz de que tudo é tudo. Porque se
nada
existe que não seja mente, o mundo não pertence
à classe alguma, e não tem
limites nem definição. Quase
poderíamos usar “bla” – o que
é quase
precisamente, o que o budismo faz ao usar a palavra absurda tathata,
“tal-qual(ismo)”. Porque a
função
desta terminologia absurda é chamar-nos a
atenção para o
fato de que a lógica e o significado, com a sua inerente
dualidade,
é uma propriedade do pensamento e da linguagem, mas
não do mundo real. O
mundo concreto e não verbal não contem quaisquer
classes ou símbolos,
significando qualquer outra coisa além dele
próprio. Consequentemente, não
comporta dualidade. Porque a dualidade só surge quando
classificamos, quando
distribuímos as nossas experiências por caixas
mentais, dado que uma caixa não
é caixa sem um interior e um exterior.
As caixas mentais
já estão provavelmente formadas nas nossas
mentes muito antes que o pensamento e a linguagem formal
forneçam rótulos para
as identificar.
Começamos a
classificar assim que notamos diferenças, regularidades e
irregularidades, logo que fazemos associações de
qualquer espécie. Mas – e isso
se apalavra “mental” chega a significar alguma
coisa – este ato de
classificação é certamente mental,
pois notar diferenças e associa-las umas as
outras é algo mais que a simples resposta a contatos
sensoriais. Mas
se as classes são um produto da
mente, do notar, da associação, do pensamento e
da linguagem, então o mundo, considerado
simplesmente como todas suas classes de objetos, é um produto
da mente.
É isso, creio,
o que o
Iogacara pretende pela asserção de que o mundo
é apenas mente (cittamatram lokam). Significa que exterior
e
interior, antes e depois, pesado e leve, agradável e
doloroso, móvel e imóvel,
são idéias ou
classificações mentais... o mundo que conhecemos
quando entendido
como sendo o mundo classificado, é um produto da mente e,
tal como o som “água”
não é verdadeiramente água, o mundo
classificado não é o mundo real.
O problema de
“o que” a
mente é, podemos agora vê-lo, é o mesmo
que o problema de “o que” é o mundo
real. Não existe resposta... Porque a mente
está
para além de todas as opiniões
filosóficas, é estranha à
discriminação,
não é atingível e nunca nasce sequer:
digo que não há nada senão Mente.
Não é
uma existência, nem é uma não
existência; está, em verdade, para além
da
existência e da não existência...
Dentro desse indefinido
contínuo de citta o
Iogacara descreve oito tipos de
vijnana
ou “consciência
discriminante”. Há uma consciência
apropriada a cada um dos cinco sentidos;
há o sexto
sentido-consciência (mano-vijnana), unificando as outras cinco
de modo
a que, por exemplo, o
que é tocado ou ouvido se possa relacionar
com
A
“consciência
depósito” é quase equivalente ao
próprio citta, e é supra
individual porque surge antes de qualquer
diferenciação. Não deve ser concebida
como uma espécie de gás fantasmagórico
passando através de todos os seres, dado que, aqui, o
espaço e a extensão apenas
estão como potencialidade. Por outras palavras, a
“consciência depósito”
é
aquilo de onde o mundo formal surge espontaneamente... o Mahayana
não comete o
erro de tentar encarar a criação do mundo como se
este procedesse da mente
através de uma série de causas
necessárias.
Tudo o que se liga por
necessidade causal é do mundo de Maya, não de para
além dele. Para
falarmos um tanto
poeticamente, a ilusão do mundo sai do Grande
Vácuo sem qualquer razão, sem
propósito algum, e precisamente porque não
há
necessidade de que o faça. Porque a
“atividade” do vácuo é jovial
ou vikridita pois não
é ação motivada (karma).
Assim, tal como o iogacara o
descreve, a criação do mundo
formal surge espontaneamente da
“consciência-depósito”, ocupa
o manas,
onde se processam as
diferenciações primordiais,
passa depois aos seis sentidos ou
“portões” (ayatana)
através dos quais projeta finalmente o mundo externo
classificado.
O ioga
Budista consiste, pois em inverter o
processo, em deter a atividade discriminativa da mente, e deixar que as
categorias de maya
recaiam na potencialidade a fim de que o
mundo possa ser visto no seu inclassificado
“tal-qual(ismo)”.
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